"O Brasil é o campeão mundial de crimes contra LGBTs: um assassinato a cada dois dias."

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Imediata Aprovação da PLC 122.

terça-feira, 6 de setembro de 2011


O Evangelho Segundo Jesus Cristo = Uma (re)visão da história do Cristo.
Sempre ouvi comentários a respeito do livro "O Evangelho Jesus Cristo", do escritor português José Saramado. Já conhecia um pouco de sua obra e desde os primeiros contatos pude perceber que o autor se diferenciava em vários aspectos.

Senti dificuldades, por exemplo, em compreender o modo como este escritor utiliza os aspectos gráficos do texto. Quem já leu algo dele sabe que a princípio nos sentimos "perdidos" uma vez que as falas das personagens não são separadas no texto por dois pontos e iniciadas com travessão. Os diálogos são diferenciados da fala do narrador por vírgula e se iniciam com letra maiúscula. Bem original, pois acaba-se com a artificialidade do texto escrito tornando-o mais próximo da língua falada no sentido de que quando contamos algo e reproduzimos falas de outras pessoas não costumamos dizer "dois pontos, travessão" antes de reproduzir o texto alheio. Penso que esta técnica seja tão valorosa quanto a de outros escritores que para aproximar a escrita da oralidade fazem uso de expressões populares e mantem aspectos da norma coloquial da língua.  Isso não significa, porém, que Saramago não se utilize também deste recurso.  

Outra questão interessante em seus textos é a aproximação que mantém com a pintura no sentido de que são repletos de descrições detalhadas, tanto nos aspectos físicos quanto cromáticos do espaço narrativo.  No "Evangelho Segundo Jesus Cristo", por exemplo, o primeiro capítulo narra a cena da crucifixão de Cristo e a riqueza de detalhes, formas e cores possibilita ao leitor a criação de uma imagem metafórica que aproxima a narrativa de uma estampa medieval na qual se vislumbra o martírio final do filho de Maria e José.  

Na obra acima, é possível acompanhar o nascimento, vida e morte de um Jesus bem diferente daquele descrito nos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Conhecemos um Jesus muito mais humano que divino. Cai por terra toda aquela áurea de pureza extrema que percebemos na narrativa bíblica.  

Não somente este personagem é mais próximo dos pobres mortais como José e Maria, seus pais, que  também se apresentam ao leitor despidos da santidade e pureza impregnada no novo testamento.  Este é um casal como qualquer outro. Trabalhadores, ele machista, ela oprimida pela sociedade, recatada e ambos cheios de dúvidas e anseios a respeito das coisas humanas e divinas. 

Interessante também é a forma como o narrador nos apresenta o deus, pois não escreve a história da encarnação mudando os fatos bíblicos, mas poe em cheque as próprias descrições dos textos sagrados. Para ilustrar esta ideia podemos lembrar a cena na qual o menino é apresentado no templo. 

Segundo o costume da época, nem todos os espaços do templo eram utilizados pela mulher e a criança. Haviam, portanto, lugares reservados aos homens e outros apenas aos sacerdotes. Ao descrever isto, o narrador nos questiona acerca deste deus que sendo bom encontra-se distanciado de suas criaturas. Além disso, como pode pois se agradar de tanta matança, violência e sangue? Sim, porque no lugar onde só entravam os sacerdotes aconteciam sacrifícios de animais de toda espécie a depender do ritual que se estava prestando. No caso específico da apresentação do primogênito, duas rolas eram oferecidas em holocausto.  Derramamento de sangue seguido de queima das carnes dos animais. Estranho deus este não é? Mais além, o narrador, ironicamente, justifica esta reserva do todo poderoso e diz: "Deus é tanto mais Deus quanto mais inacessível for".


Quanto a personagem Maria, o autor é singular. Nos apresenta uma mulher bem próxima a todas as mulheres do tempo. Moça frágil, desconfiada, pobre, sem voz nem vez por conta de toda opressão machista social que sofre e é brutalmente reproduzida por seu esposo José.  Uma senhora que não toma parte nas decisões familiares, religiosas nem sociais.  Seu papel é apenas obedecer calada. Muitas são as cenas nas quais seu esposo assim o exige por puro machismo. 


Célebre cena é a que descreve a atitude covarde da família que para salvar seu filho, se esconde calada na gruta de Belém.  Por decreto de Herodes, todas os meninos menores de  três anos de idade que se encontrassem em Belém seriam mortos pelos soldados. Ao contrário do que lemos no livro sagrado, José não recebe mensagem de um anjo em sonho, mas espreita uma conversa entre alguns soldados e descobre a feita do Rei. Temeroso pelo que aconteceria com seu filho, o mesmo abandona seus trabalhos na aldeia e corre para a gruta de Belém para contar o que ouvira a Maria. Ambos são tomados de grande temor e passam a organizarem-se para fugir com o menino, como de fato se passa na narrativa bíblica. Porém, o narrador saramaguiano não perde a oportunidade de desferir sua acidez, digamos assim, a respeito da atitude do casal. Questiona-se como foi possível José e Maria, que alguns julgam santos, dormir naquela noite ouvindo às suas costas o choro desesperado de tantas outras mães que choravam a morte de seus filhos. Porque não saiu José a avisar para todas as famílias que pudesse "Venham conosco, salvem vossos filhos!"  


E assim vão sendo narrados os fatos da vida de Jesus. O narrador lança um outro olhar para tais acontecimentos e evidencia que toda e qualquer história pode ser recontada por pontos de vista bem diversos e por vezes antagônicos. 


Um professor que tive comentou certa vez que não gosta da literatura de Saramago porque ele empobrece grandes mitos. Na época não tinha maturidade para debater com o mestre, mas não concordei com sua fala e como não havia lido o livro tão famigerado, calei-me. Hoje digo com propriedade que ao contrário do que disse o estudioso, para mim José Saramago enriquece o mito do nascimento do Cristo ao recontá-la sob a ótica de um homem contemporâneo e profundamente questionador de tatos dados como prontos, acabados e divinos. 


Valeu a pena a leitura!!!!!!!!


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